Meu cachorro morreu, e agora? Como lidar com a morte de um animal de estimação

“Um animal de estimação reflete o afeto que investimos numa relação que nos ensina a ser generosos e a exercitar a capacidade de cuidar”. (Silvana Aquino)
 
Todos os seres vivos um dia irão morrer, portanto um dia você terá que dizer adeus ao seu animal de estimação. Infelizmente, a expectativa de vida dos animais, mesmo sendo eles muito bem tratados, é curta em relação ao tempo que o tutor viverá. Por isso, é frequente os tutores de animais de estimação terem que lidar com a morte de um ou mais animais ao longo da vida.
 
Os animais de estimação participam da vida cotidiana de várias famílias durante anos. Para muitas pessoas eles são verdadeiros companheiros, pois não criticam nem julgam; ajudam a amenizar o stress, pois estão sempre prontos para a brincadeira; e são uma fonte inesgotável de afeto e carinho, pois estão por perto, tanto nos momentos de alegria quanto nos momentos de tristeza. São por estas razões que as pessoas se apegam aos animais, criando laços profundos de afeição e amizade.
 
Veja como você pode lidar com a morte do seu cachorro:


 
Elaborar a morte de um gato, cachorro, ou qualquer outro bichinho de estimação pode ser uma tarefa difícil. Estudos sobre as reações à perda de um animal de estimação mostram como é forte o apego desenvolvido. Usando o modelo da teoria de apego de Bowlby (citado em Archer, 1996), Parkes (citado em Archer, 1996) se referiu ao pesar de perder um animal de estimação como o custo de perder uma pessoa amada. O processo de luto envolve angústia, pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo mental de se despedir de uma relação estabelecida. Evidências sistemáticas indicam que há claros paralelos entre as variadas reações que as pessoas apresentam seguidamente à perda de um animal de estimação àquelas sentidas por uma perda de um relacionamento entre humanos (Archer, 1996). Provavelmente, você vivenciará as fases do luto, pois a dor da perda de um animal de estimação é a similar à dor causada pela perda de um ente querido, pois ocorre um rompimento de vínculo afetivo. (Bertelli, 2008).
 
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Para Baydak, quando a perda está de acordo com as normas sociais, o luto individual é suportado pela rede social, o que facilita tanto o processo de luto quanto a coesão social. Quando isso não acontece, e a sociedade não reconhece e nem legitima o luto, as reações de estresse podem ser intensificadas, e os problemas relacionados ao luto podem ser exacerbados. Em caso de animais de estimação, normalmente frases como “Era só um cachorro…” mostram esse não reconhecimento. A morte do animal é tratada como um acontecimento trivial e de pouca importância. Baydak fala também que além do luto social não-autorizado existe o luto intrapsíquico não-autorizado. Nós internalizamos crenças, valores e expectativas sociais. Está implícito no comentário “Era só um cachorro…” que os animais não são dignos de luto e a noção de que há algo inerentemente errado com alguém que entra em processo de luto após a morte de um animal. Assim, quando um animal de estimação morre, muitos tutores estão totalmente despreparados para a intensidade de seu luto, e ficam embaraçados e com vergonha dele. A sociedade tende a dar mais suporte à criança que perde um animal de estimação do que a um adulto. (Bertelli, 2008).
 
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Eu tive a honra de entrevistar a Psicóloga Déria de Oliveira, uma estudiosa do assunto, sobre questões que permeiam este tema. Abaixo seguem os principais pontos da entrevista.
 

Por vezes os tutores de animais de estimação sentem que não possuem “autorização” para chorar e se entristecerem pela morte de seu animal. Por que a nossa sociedade, em sua maioria, não considera que um indivíduo possa estar de luto pela morte de um animal de estimação? Este é um tipo de luto não autorizado?

O luto pela morte do animal de estimação, segundo Doka (1989) está na categoria dos lutos não autorizados, porque é uma perda não reconhecida pela sociedade. No entanto, os animais estão presentes em diversos arranjos familiares. Sendo assim, por que a perda do animal não teria passado a ser reconhecida pelas pessoas do mundo contemporâneo? A partir deste questionamento e de outros foi desenvolvida minha pesquisa para a tese de doutorado, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco.
Dos 360 participantes que responderam à pesquisa disponibilizada na internet, 171 (47,5%) consideravam que o luto pelo animal é reconhecido pela sociedade e 189 (52,5%) responderam que a perda pela morte do animal não é aceita, porque para algumas pessoas o enlutado tem de ser comedido no luto e não pode deixar de comparecer aos seus compromissos laborais, escolares e outros.
O reconhecimento do luto do tutor do animal falecido, ou desaparecido, será facilitado se as pessoas que o cercam: a) forem empáticas; b) consideram o animal como integrante da família; c) formam ou formaram vínculo com um animal de estimação.
 

Em seu estudo, você se deparou com um tutor de animal questionando-se sobre se ele tinha o direito de ficar de luto?

Sim. Foram realizadas entrevistas presenciais com seis enlutados, cujos animais tinham falecido há menos de 12 meses da data da entrevista. Dois entrevistados traziam muitas reflexões nesse contexto, pois estavam sofrendo muito pela morte do animal e as pessoas próximas diziam que não podiam ficar do jeito que estavam, ou seja, enlutados.
 

O processo de luto pela perda de um animal de estimação segue os mesmos padrões do processo pela morte de um humano? O tutor do animal pode vivenciar as mesmas fases do luto?

Não diria que existe um padrão no processo de luto pela morte do ente querido, humano ou animal. Pode-se constatar que as reações tais como: negação, culpa, ansiedade de separação, raiva, entorpecimento, entre outras estão presentes em ambos os processos de luto, pois surgem diante da perda de um ser significativo; porém não ocorrem em uma sequência linear ou com presença obrigatória de todas as reações.
 

Quando um indivíduo vivencia uma perda que não é reconhecida ou socialmente apoiada ele pode vivenciar o luto complicado?

Sim, porque geralmente o suporte social é um fator de proteção para luto complicado. Os rituais de despedida que estão presentes na morte do ente querido humano são praticamente ausentes na morte do animal de estimação. E muitas vezes, o enlutado ainda tem de ouvir: “era só um cachorro” ou outro animal. Uma das entrevistadas, cujo animal tinha morrido quatro meses antes da data da entrevista, disse que seu coração doía de saudade. Somente o enlutado conhece o significado que o animal tinha em sua vida, apenas ele é capaz de saber o quanto está doendo o que foi perdido.
 

Quanto tempo o luto pela perda de um animal de estimação pode durar?

Não existe um tempo determinado, o luto pode durar dias, semanas, meses ou anos. Dependerá da relação que o tutor tinha com o animal, da interação da díade, se existia vínculo ou não; da história de vida do tutor em relação às perdas que precederam a do animal; da causa da morte do animal, entre outros fatores.
 

morte animal estimacao
(Bisteca morreu de câncer em 2011. Foto by Lilian Din Zardi)

 

O que fazer para amenizar a dor da perda?

É importante que o tutor reconheça a própria dor e busque apoio no seu grupo de convívio, no qual existe aceitação pela perda de animal. Aos poucos ele se reorganizará, com novas atividades e projetos, e, em alguns momentos de lembranças do animal falecido, poderá ter reações de pesar. Caso sinta necessidade, pode procurar também o atendimento psicológico.
 

Quando o animal está gravemente enfermo com uma doença sem possibilidade terapêutica de cura e a eutanásia é melhor opção, como lidar com a culpa? Qual é a melhor forma de lidar com esse sentimento?

É recomendado que todas as dúvidas dos tutores fiquem esclarecidas pelo médico veterinário, antes de obter a autorização para a eutanásia, bem como seja permitida a presença dos tutores no momento do procedimento se eles desejarem. No entanto, estas condutas não garantem que os tutores não terão o sentimento de culpa. Uma das entrevistadas que passou por esse processo disse que foi a pior decisão de sua vida. Para Ross e Baron-Sorensen (2007), a opção pela eutanásia do animal pode ser a primeira vez que a pessoa considera a cessação da vida. A culpa pode estar presente mesmo que não tenha sido necessária a eutanásia. É uma das reações comuns diante da perda.
É difícil dizer qual a melhor forma de lidar com o sentimento de culpa de maneira generalizada, porque para cada díade tem uma questão singular do tutor, que costuma ser: “e se eu tivesse feito isso” ou “se eu não tivesse feito aquilo”. E, por fim, com frequência ele percebe que qualquer atitude em relação ao amado animal foi com o melhor dos propósitos. Algumas vezes, quando a autoacusação é constante e duradoura, com prejuízo das atividades, o atendimento psicológico é indicado.
 

Alguns escolhem ter um novo animal logo após a perda. Essa atitude ajuda na elaboração do luto?

Depende da condição que ocorre a aquisição. Se não for para evitar lidar com a perda, e se for por própria vontade do enlutado, é uma atitude positiva no processo de luto, que permitirá que o enlutado se dedique às atividades com o novo animal, fazendo comparações saudáveis com o animal falecido. A atitude é negativa se não for desejo do enlutado. Quando imposta por terceiros, o enlutado poderá fazer comparações no sentido de que o animal falecido era muito melhor do que o atual, com rejeição total ao novo animal e até abandono.
 

E quanto às crianças, elas devem participar e ajudar no funeral do animal de estimação?

É relevante que a criança participe dos rituais de despedida do animal. Mas a criança deve ser respeitada se não quiser estar presente. Para Zawistowski (2008), a morte do animal pode ser sua primeira experiência de morte e os pais precisam ser honestos, evitando-se dizer que o animal foi colocado para dormir – a criança poderá ficar com medo de dormir – ou que fugiu – porque ela poderá ficar pensando o que teria feito para o animal fugir.
 

Em sua tese de doutorado, que foi sobre este tema, quais foram as suas principais conclusões?

Mais da metade dos participantes considerava que o animal era integrante da família (56%) e que conviver com eles significava ter amor incondicional (51%). Estas qualificações favorecem a formação de vínculos. Nesse contexto, o processo de luto pela morte do ente querido animal é autêntico e similar ao da morte do ente querido humano tanto nas reações de pesar, quanto nas formas de enfrentamento diante da perda.
A pesquisa on-line possibilitou a expressão de sentimentos em relação à perda do animal, apesar de não ser o objetivo do estudo para aquele momento; todavia com a falta de espaço que existe para o acolhimento dessa dor, tornou-se um instrumento que deu “voz” aos participantes. Alguns deles escreveram que se beneficiaram com a pesquisa e agradeceram. (Oliveira e Franco, 2015)
Sendo assim, o luto pela morte do animal de estimação, que não é considerado por muitas pessoas que não se vincularam com animais domésticos, também requer um olhar de reconhecimento da sociedade.
 

Você saberia nos informar se algumas clínicas veterinárias já oferecem suporte psicológico especializado para ajudar os tutores a superar a perda?

Nos Estados Unidos, o oferecimento de suporte psicológico para os tutores enlutados, dentro das clínicas, hospitais veterinários e universidades é corriqueiro. No Brasil, pouquíssimos hospitais veterinários disponibilizam o atendimento com psicólogos dentro dos hospitais para os tutores de animais sem prognóstico de cura ou para ajudá-los a resgatar seus recursos para lidar com a morte do animal.
 
Como pudemos ver, a sociedade não oferece um espaço seguro para os tutores de animais de estimação vivenciarem seu processo de luto. Felizmente, começam a ficar disponíveis alguns recursos para ajudar essas pessoas a perceberem que seu processo de luto é natural e merece ser validado. E nós como psicólogos, devemos sempre acolher este enlutado, independente de qual seja o contexto de sua perda, e oferecer-lhe escuta ativa e disponibilidade emocional para poder auxiliá-lo a ressignificar a perda sofrida.
 
Artigo publicado no site Perdas e Luto e gentilmente cedido pela psicóloga Nazaré Jacobucci.
 

Halina Medina e Preta
Halina Medina, criadora do TSC, com a Preta, que faleceu em 2009.

 
 
 
Este post teve a colaboração da psicóloga Déria de Oliveira:
 
deria de oliveiraEntrevistada: Déria de Oliveira – Bacharelado em Administração. Psicóloga, Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Pesquisadora voluntária do Projeto Pet Smile, terapia mediada por animais (2006-2010). Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto – LELu (2010-2013).
 
Referências:
Archer J. Why do people love their pets? Evolution and Human Behavior, v. 18; 1996. p. 237-259.
Baydak M.A. Human grief on the death of a pet. National Library of Canada, Faculty Social Work; 2000. University of Manitoba.
Bertelli I. O luto na morte de animais de estimação. Blog CientíficaMente. Ago/2008.
Casellato G. (Org.). O resgate da empatia: suporte psicológico ao luto não reconhecido. São Paulo: Summus; 2015. 264 p.
Doka K., J. Disenfranchised. grief: recognizing hidden sorrow. New York: Lexington Books, 1989. Cap. 1, p. 3–11.
Oliveira D., Franco MHP. Luto por perda de animal. In: Gabriela Casellato (Org.). O resgate da empatia: suporte psicológico ao luto não reconhecido. 1ª. ed. São Paulo: Summus; 2015. p. 91-109.
Parkes CM. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Tradução: Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: Summus; 1998. 291 p.
Ross CB, Baron-Sorensen J. Pet Loss and Human Emotion: a guide to recovery. 2nd ed. New York: Routledge; 2007. p. 1–30.
Zawistowski S. Companion animals in society. Canada: Thompson Delmar Learning; 2008. Cap. 9. p. 206-223.

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